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Gente do Samba: João e Ana celebram o primeiro título defendendo o pavilhão do Águia de Ouro e zelam pela tradição do quesito na escola

A SASP convidou o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira do Águia de Ouro para contar sua história em mais um texto da série Gente do Samba. João Carlos e Ana Reis, que defendem o pavilhão da Pompeia desde o carnaval de 2016, falaram sobre sua atuação na escola, celebraram o primeiro título da agremiação, o prêmio SASP Carnaval como melhor casal de 2020 e defenderam a tradição e a manutenção desse legado na formação de novos casais.

Antes de falar do desfile campeão de 2020, vamos conhecer os caminhos por onde passaram cada um deles.

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Por onde João riscou o chão

A família de João sempre foi envolvida com o carnaval e ele começou a dançar como mestre-sala mirim em 1990, na cidade de Diadema, no Grande ABC. Aos 12 anos, para realizar o sonho de sua mãe, o menino assumiu o posto de mestre-sala oficial da escola e dançou por dois carnavais ao lado dela, que era a porta-bandeira. “Ela queria ter o mestre-sala dos sonhos e esperou eu ganhar tamanho para poder dançar com ela”, contou.

Já para o carnaval de 2001, João recebeu o convite do carnavalesco multicampeão Tito Arantes para desfilar na Unidos de São Lucas como terceiro mestre-sala. Ele ficou por em 2002 e, quando Tito foi para o Águia de Ouro, João foi com ele. A princípio, ele apenas comporia o quadro, mas a 20 dias do carnaval acabou vencendo um concurso interno e desfilou pela primeira vez como mestre-sala oficial de uma escola de samba da elite de São Paulo com 17 anos, em 2003.

“O meu primeiro ano, obviamente, foi um carnaval marcante porque eu consegui conquistar o sonho de ser mestre-sala oficial. Na época, eu era o mestre-sala mais jovem do carnaval”, disse João ao lembrar de dançar concorrendo com referências históricas para ele, como Moreno, Dinei e Jairo. Ele ficou pela Pompeia até o carnaval de 2006 e, depois, defendeu por 4 anos o pavilhão da X-9 Paulistana — dois anos ao lado de Ana Reis (2007 e 2008), dois anos contemplados com o Troféu Nota 10 de melhor casal.

Ele voltou para o Águia entre 2010 e 2012 e depois João passou ainda pela Independente Tricolor, Império de Casa Verde, Dragões da Real e Mancha Verde antes de retornar para o Águia no carnaval de 2016.

Por onde Ana dançou

Ana também começou a ser seus passos no samba muito pequena. Nascida no bairro do Jabaquara, sua família também sempre esteve imersa no mundo do carnaval. Em 1987, ela começou a desfilar na ala das crianças do bloco que hoje virou a escola Flor de Lis da Zona Sul — que desfila atualmente no Grupo de Acesso 1 de Bairros da UESP. A agremiação foi fundada por membros da família de Ana e, por conta dessa ligação tão próxima, ela passou a desfilar como porta-estandarte mirim do bloco aos 9 anos e ficou lá até 1994.
Foi nesse ano que, depois de um bom desempenho em um concurso da USP, ela recebeu o convite de Seu Jamil para ser a terceira porta-bandeira dos Acadêmicos do Tucuruvi e estreou no Anhembi ostentando um pavilhão. Já no ano seguinte, ela fez um teste para ser segunda porta-bandeira do Rosas de Ouro e por lá ficou até 2004. Tendo inclusive, em 2001, a oportunidade de desfilar como primeira porta-bandeira da escola. Na época, ela tinha 24 anos — desses, 14 dançando — e havia decidido se afastar do carnaval para se dedicar aos estudos

O hiato durou apenas um carnaval porque, em 2006, ela foi convidada para desfilar na X-9 Paulistana ao lado do lendário Moreno, que queria se aposentar em grande estilo e desfilaria pela última vez naquele ano por questões de saúde. “Foi um ano sensacional. Dançar com o Moreno foi a minha escola como porta-bandeira oficial, como pista. É o cara que me ensinou tudo sobre conduta, sobre preparo”, explicou. Em 2007 e 2008, a dupla de Ana na X-9 foi João, conforme dito anteriormente. “A gente casou muito bem a nossa relação como parceiro e como amigos que somos até hoje”, disse.

Depois de 2008 veio um novo hiato. Ana precisava dedicar tempo para casar e formar uma família. Ela não voltaria mais a dançar, mas em 2012 chegou um novo convite. Dessa vez, o presidente Sidnei queria que ela não só defendesse o pavilhão do Águia de Ouro, como também cuidasse para que novos casais fossem formados na escola. Ela já havia desfilado como primeira porta-bandeira em 1996 – quando a escola desfilou no Acesso e enfrentou problemas com sua porta-bandeira oficial – e retornava para 2013. “Era pra ser só uns 2 anos e já está completando 10”, brinca Ana.

David Sabiá, que dançava na Beija-Flor foi o primeiro mestre-sala de Ana neste novo retorno à Pompeia, que precisava de uma porta-bandeira de São Paulo e que fosse mais presente. “O Sidnei me levou com a proposta de formar um quadro forte, com pessoas que quisessem aprender, se dedicar e formar um legado na escola. Eu não quero ter rotatividade”, contou. Em 2014 e 2015, Ana desfilou com Kawan Alcides, que era o terceiro mestre-sala da escola e foi preparado por ela.

Com a saída de Kawan, a escola foi atrás de João Carlos para refazer a dupla vitoriosa com Ana. Ele, cria da casa. Ela, responsável por um resgate do perfil formador do quadro. “São duas pessoas completamente diferentes do que a gente era na X-9, com mais maturidade”, declarou Ana. “Sem essa maturidade, eu não sei se a gente conseguiria manter tanto tempo a parceria, porque o grau de exigência hoje é imenso”, confessou.

Parceria do casal

Ao voltar para a escola em 2016, João encontra uma Ana já muito comprometida com o desenvolvimento de novos talentos na escola. Ele olha com muita emoção para esse retorno porque pôde defender o pavilhão de sua escola do coração com mais maturidade e um parceria que ele gosta de chamar de “casamento perfeito”.

“A gente entende que a nossa parceria é uma parceria muito madura, em todos os sentidos. Envolve trabalho, envolve vida pessoal, vida sentimental, vida profissional. A busca dessa parceria envolve todos esses segmentos”, explicou João. “A gente chegou ao ápice de uma parceria completa, uma parceria em que a gente consegue se redescobrir na nossa melhor fase como casal, como pessoas, como seres humanos. Isso reflete no nosso trabalho.”

A cumplicidade entre o casal é o grande trunfo de João e Ana, segundo ela. “Acima da dança, está a relação. Se os dois não falarem a mesma língua, o grau de respeito não for 100% e vocês não tiveram o mesmo objetivo, não vai dar certo”, disse Ana. Cada um consegue tocar seus projetos profissionais paralelos, Ana como preparadora de outros casais (dentre eles, Arthur e Eliane, da Pérola Negra) e João como dançarino internacional.

João e Ana formam um dos casais mais longevos do carnaval de São Paulo e, individualmente, são duas das pessoas em atividade que mais desfilaram pelo Anhembi defendendo a nota do quesito. “Nosso diferencial como parceiros é a maturidade do trabalho. Entender que carnaval é ser profissional, levar com seriedade e passar isso adiante, para o nosso quadro de casais”, defendeu João”. “A gente não vai pra pista e não inicia nenhum trabalho inconsciente, no oba-oba. A gente tem a certeza do que está fazendo.”

A construção de um legado

A formação de novos casais é uma das principais características do casal e também do Águia de Ouro. Ana diz que está na escola com essa função a pedido do presidente Sidnei e João, cria da casa, contou que sempre carregou esse pensamento formador com ele.

“A gente sabe que estão vindo muitos casais jovens, a gente aposta em casais jovens. Mas dentro da nossa escola e dentro daquilo que a gente aprendeu, a tradição é o que mantém a nossa arte viva até hoje”, afirmou João.

São inúmeras as pessoas em outras agremiações do carnaval que foram formadas pelo Águia de Ouro no quesito e, boa parte delas, passaram pelas mãos de João e Ana. O caso mais recente é Luan, primeiro mestre-sala do Acadêmicos do Tucuruvi – que era o terceiro mestre-sala da escola antes de ir para a Cantareira. “A gente acaba formando para os outros, mas é muito bacana para a pessoa, que já sai daqui preparada” explicou Ana ao citar o caso de Luan. “É um trabalho de um ano todo. É vestimenta, é como saber se portar, é como falar em uma reunião, analisar a sua fantasia, ter responsabilidade. Ser mestre-sala e porta-bandeira não é só dançar”.

“A gente não está no cargo para semente, a gente não é apegado ao cargo, não existe cadeira cativa. As pessoas podem construir o trabalho e, se elas quiserem construir esse trabalho, lá dentro a gente dá essas condições”, disse João. “A gente buscou talentos que estavam esquecidos, que às vezes não tinham uma oportunidade bacana. A gente enxergou.”

Além de formar para dentro do Águia de Ouro, Ana Reis contribui com a preparação de outros casais de agremiações concorrentes por ser reconhecida como referência no quesito. O acordo com o presidente Sidnei é tranquilo e ela, aos 40 anos, argumenta que precisa cuidar do seu amanhã e quer continuar trabalhando para manter a tradição do quesito olhando de perto outros casais. “Eu amo a arte. A gente sabe o quanto a gente pode dar ainda, mas a gente sabe das nossas deficiências. Assim como eu parei no passado por algumas necessidades, eu sei que a minha ampulheta tá no limite. Não é só uma questão do querer, é uma questão do corpo, uma questão da vida”, confessou Ana.

O primeiro título

De 2019 para 2020, muita coisa mudou para o primeiro casal do Águia de Ouro. Sentindo a pressão de abrir o sábado de carnaval, além de carregar uma fantasia mais pesada por função da chuva, João e Ana não conseguiram repetir o desempenho de outros anos e acabaram deixando dois décimos pela pista em 2019 – o que não é comum para o casal. Mas, como toda a escola, os dois se renovaram para 2020, colocaram o regulamento debaixo do braço e renasceram para não só gabaritar em 2020, como também ostentar o pavilhão do primeiro título da agremiação no Grupo Especial e ainda vencer o Prêmio SASP Carnaval, como o melhor casal do ano.

“Em 2020, houve uma reformulação muito grande da parte técnica. A gente trabalhou o nosso emocional de 2019, a gente perdeu dois décimos no nosso quesito, coisa que não acontecia há muito tempo. A Ana queria parar de dançar. A gente teve uma conversa muito grande com o nosso presidente de entender que a gente como casal precisava estar mais dentro do quesito, não exigir mais da gente do que o quesito pede”, disse João.

Um dos aspectos que mais chamou a atenção no bailado do casal em 2020 era a fantasia, que tinha um fundo preto e penas coloridas. Ana contou que o figurino foi o primeiro a ser desenhado pelo carnavalesco Sidnei França e isso facilitou todo o trabalho de confecção da fantasia, que é supervisionado de perto pelo casal. Eles não entregam a fantasia para ser feita em algum ateliê e preferem otimizar o processo, economizar até 60% do custo e fazer as diferentes etapas com parceiros distintos. Um faz a costura, outro faz a decoração e Tsubasa, mestre-sala da escola, cuida da plumagem do casal no Japão.

“O França nunca tinha trabalhado dessa forma e dizia que não conseguia ver se vai dar certo”, disse Ana. Mas deu e o casal saiu do Anhembi com a nota máxima e o título do carnaval de São Paulo

Botequim da SASP