Vinte e três anos separaram o Gaviões da Fiel Torcida desse reencontro com seu enredo e samba dos mais aclamados da história. Quis a diretoria alvinegra que 2019 fosse o ano escolhido para reeditar e tentar escrever novamente a última página. A arrancada espetacular do experiente Ernesto Teixeira deixou clara as pretensões dos Gaviões. O clima gerado por tudo que envolve a Fiel e seu tema deixou o Anhembi completamente diferente do que foi visto durante a sexta-feira e o sábado de desfiles.
Os componentes vieram com “sangue nos olhos” e, além deles, todas as arquibancadas que permaneceram lotadas balançavam as bandeiras entregues e entoavam o samba. Se ouvia dos componentes um canto muito forte e ecoava pela avenida contagiando camarotes, cadeiras e arquibancadas. Nos refrões a explosão era ainda maior. A Bateria Ritimão de Mestre Ciro executou um trabalho correto com destaque pontual para o belo desenvolvimento dos atabaques e timbais. Aliás, encerrando o desfile apoteótico dos Gaviões, a bateria seguiu tocando pela dispersão, marginal do Tietê até a quadra dos Gaviões no Bom Retiro.
Sidnei França conseguiu sintetizar um desfile histórico para a sua roupagem e esbanjou luxo nas fantasias nos cinco setores. A religiosidade do torcedor dos Gaviões no terceiro carro causou um belo impacto visual. Uma gigante escultura de Oxalá vinha a frente, pretos velhos e Exus nas laterais e um enorme São Jorge, padroeiro do clube e da escola de samba vinha no topo. O último setor da escola destoou um pouco dos quatro primeiros e a diferença nos acabamentos ficou evidente, mas não prejudicou visualmente o conjunto alegórico.
A direção da escola optou por deixar as alas numa evolução mais solta e foi feliz na escolha. Impulsionados pela potência do samba os componentes brincaram carnaval com samba na ponta da língua sem prejudicar a escola em nenhum dos dois quesitos que depende do desfilante.
Abrindo o desfile da torcida alvinegra, a Comissão de frente encenou A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente. A comissão conta a história de Santo Adão que testado constantemente pelos Soldados do Mal, encontrou uma serpente fragilizada e cuidou da mesma, mas Santo Adão foi traído pela mesma. Com o ímpeto de um gavião altivo e real, que não aceita traição, Santo Antão livrou-se da traiçoeira serpente e, com a luz dos anjos do bem, extraiu o seu veneno. Chupou a ferida em seu braço. Cuspiu no solo infértil e ali surgiu – de forma mágica e vigorosa – ramos de tabaco. Assim teria surgido o tabaco e prevalecia a fé em Jesus Cristo. O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Wagner e Adriana, representaram a força da fé no norte da África, é o encontro das crenças cristãs e muçulmana no deserto africano. O carro abre alas da escola representou os delírios de Santo Adão quando era perseguido pelos pensamentos do diabo, O Delírio do Santo e a Peregrinação no Deserto Africano… Livrai-o do Mal e da Traição.
O segundo setor da agremiação veio representando o tabaco do Oriente à Corte de Catarina de Médicis. A Rainha Catarina de Médici, conhecida por sua personalidade forte e tempestuosa, sofreu de fortes dores de cabeça. Lançava objetos em surtos de fúria pela ausência de notícia de cura. Porém, ao ser presenteada pelo embaixador da França em Portugal, Jean Nicot, com grãos de café e pó de tabaco (rapé), teria encontrado a tão almejada cura ao aspirar a erva. Foi um divisor de seu reinado, pois a partir daí teve foco nas ações políticas e sociais da França. Assim, por sua conhecida tirania, causou o surgimento de uma nova consciência popular de uso do poder, plantando em seu período o desejo de uma nova nação livre, o que – séculos depois – culminou com o maior símbolo da liberdade francesa: a Torre Eiffel. O segundo carro da agremiação representou O Rapé, o Café e o Poder na França de Catarina de Médici… A Rainha Que Impulsiona Uma Nova e Moderna Paris.
Celebrando o ritual de fé o terceiro setor da agremiação veio representando a energia e os rituais de purificação no terreiro de Iaiá. As baianas da agremiação vieram representando as Yalorixás, mães do Axé e da Purificação. O segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, vieram representando duas entidades na religião da Umbanda, Zé Pilintra e Pomba-Gira, os guardiões do casal eram os seguidores da religião. O terceiro carro da escola representou o ritual de fé e a purificação na força do sincretismo ‘’Saravá’’.
Homenageando a força da mulher, o quarto setor da escola representou os modos e maneiras de um mundo em transformação, o mundo sendo da mulher. Com alas representando mulheres de personalidades fortes e de extrema importância na sociedade. O quarto carro representou a liberdade para a mulher, nas ruas ou nos cabarés, que seja respeitada a vontade da mulher. ‘’Liberdade pra você!’’.
O último setor da escola representou a responsabilidade de utilizar o tabaco, mas ser feliz. ‘’Um raro prazer, sabor de emoção!’’