Como a conquista do Grupo de Acesso 1 em 2020, a escola de samba Vai-Vai retorna ao Grupo Especial com o enredo Sankofa, com assinatura novamente de Chico Spinoza. A Saracura divulgou a sinopse. Leia abaixo a proposta da agremiação para o próximo Carnaval.
Sinopse:
No movimento alado do pássaro negro SANKOFA começa o nosso carnaval. Seu olhar para o passado nos leva ao coração da África: o IMPÉRIO AXANTE, seu berço sagrado e um de nossos mais gloriosos ramos ancestrais, lugar onde o pensamento floresceu e o conhecimento se fez imortal.
Segundo contam os antepassados, este legado admirável estaria ligado à influência divina sobre seu povo, dádiva estabelecida num episódio antológico. Diz-se que ANANSE – o heroico tecelão de contos da mitologia AXANTE, teria conquistado o baú do GRANDE CRIADOR NYAME, uma cabaça encantada, onde estariam guardadas todas as histórias e preceitos primordiais. Quando ANANSE quebrou-a no chão, espalhou toda a sabedoria entre os homens, através de símbolos divinos que se formaram a partir de cada pedaço da cabaça, numa imensa profusão de luz.
A estes símbolos – dos quais o SANKOFA faz parte – damos o nome de ADINKRAS. Eles acompanharam o POVO AXANTE durante toda sua trajetória, sendo base para sua construção social e servindo também para registrar seu aprendizado ao longo do tempo. Para cada momento e função havia uma simbologia; para cada passagem, uma forma carregando uma lição a ser aprendida.
E para que se tenha noção da importância destas figuras, o rei – sempre adornado pelo mais áureo metal – só se apresentava ao povo com os braceletes e mantos que estivessem forjados com as imagens que representassem sua grandeza e liderança; e seu trono – um presente intocável que desceu dos céus – era marcado com os escritos mais nobres, os princípios da criação.
Seus pajens, com espadas e escudos dourados, traziam estampadas em lindas vestes as juras de lealdade ao soberano maior, enquanto os filhos dos reinos vassalos, com seus cabelos trançados em puro ouro, ostentavam em seus corpos as pinturas que ilustravam a unidade e a paz. Havia ainda cavalos berberes, zebras do Congo e mabecos do Zambeze (cães selvagens africanos), que também desfilavam pela corte, ornamentados com artefatos que os identificavam como verdadeiras armas reais.
Estas imagens refletiam o esplendor da África negra, que desabrochava retinta entre o mar e o sahel. Pouco a pouco, as adversidades daquela terra bestial eram domadas pela compreensão dos mais sábios, e essa era transmitida por traços inspirados em feras temidas e flores gentis. Seus guerreiros, homens e mulheres cujos punhos eram tão importantes quanto as adagas e facões, traziam na pele as marcas de uma imensa e lendária bravura; e os povos amigos, aqueles que se irmanavam em cooperação, tinham suas amizades e contribuições seladas por expressões especiais.
Os desenhos, agora, inspiravam convivência e prosperidade, afinal, se era preciso levar o ouro, o pano e a noz para os confins do Saara, e trazer a seda que vinha do oriente, havia sempre o olhar fraterno de um viajante tuaregue, que sobre seu camelo corria o continente, recoberto por seu manto azul safira; e se o mercador vinha da costa, prevalecia sempre a harmonia com a força GÁ – tão acostumada com a água de sal – que tratava de escoar o que valia em espécie. A evolução dependia do outro, do respeito e da aceitação.
A arte, expressão mais sublime de uma sociedade em apogeu, também servia como instrumento para perpetuar estes saberes. Apreciadas em todo mundo, as peças em chifre, esculturas em madeira e colares masbaha, além das famosas joias e de seus caríssimos tecidos, eram marcadas com estas mensagens, geralmente de humildade, persistência e perfeição, as matérias-primas de seus artesãos. Até as máscaras, um tanto curiosas e expressivas, aos poucos deixavam a restrição dos ritos espirituais e convenções políticas para adornar as casas e palácios reais da Ásia e Europa, servindo de porta-vozes para estes valores transcendentais.
E nem mesmo o despertar da maldade e da ganância, sob a forma de uma sinistra fortaleza, foi capaz de apagar o que estava escrito. Se a fúria das correntes da diáspora pretendia destruir os pilares de uma civilização, acabou por semear suas virtudes, carregando para o Novo Mundo as traduções de todos estes segredos junto a cada corpo arrancado de sua terra natal. Estabeleceu-se, neste terrível episódio, uma ligação indissolúvel entre o novo e o original, entre o que se passou e o que havia de se passar.
Foi assim, feito um mistério para aqueles que não eram capazes de decifrar seu significado – que a sabedoria axante sobreviveu ao destino, se misturando com outras negritudes e ligando diferentes corações pelo sentimento de irmandade e resistência. Ao redescobrir as adinkras, nos reencontramos com esta civilização em nós, reconhecendo a influência destes ditos do passado em nossa cultura atual.
Somos filhos desta realeza africana, de “meu rei, minha rainha”, da filosofia de vida transmitida por nossos fundadores ancestrais. Os tambores que falam do lado de lá são os mesmos que ecoam em nossa pequena África – O Bixiga, cuja simbologia maior é a imagem da coroa e dos ramos de café, a adinkra do sambista, uma marca que resiste ao tempo e que ao longe se identifica há mais de noventa carnavais.
Volte e pegue, comunidade! Seja a glória de seu passado, no presente e para sempre, a Saracura e o Sankofa!