Por Lucas Malagone
Foto: Felipe Araujo/LIGA-SP
Dando sequência à nossa série sobre os enredos de São Paulo, hoje vamos falar um pouco sobre o tema dos Gaviões da Fiel para 2025. Após voltar ao Desfile das Campeãs no ano passado, depois de quase dez anos, agora a agremiação busca alcançar novamente o topo do carnaval paulistano com o primeiro enredo afro de sua história, intitulado “Irin Ajó Emi Ojisé”. Desenvolvido pelos carnavalescos Rayner Pereira e Júlio Poloni, o enredo se aprofunda na rica história das máscaras africanas. A tradução do título é “A viagem do espírito mensageiro”.
A premissa, ao mesmo tempo que é simples, torna-se complexa: contar as histórias, rituais e simbologia das máscaras dos povos africanos, além de projetar um futuro para o povo africano e negro a partir dessas mesmas mitologias. O enredo percorre a África Subsaariana, passando pelos povos que habitavam a região antes da formação dos países que conhecemos hoje. Na concepção do enredo, as máscaras representam a cultura das tribos, e, em sua narrativa, Orunmilá é o espírito que dá forma a essas máscaras e, assim, direciona seu povo. O espírito ensina por meio da máscara, e o povo transmite conhecimento por meio da concepção artística dessa mesma máscara. Orunmilá será o fio condutor de todo o enredo da escola.
“Do resplendor do orô, Orunmilá lança seu olhar sobre o ayê. O mensageiro de Olodumarê, bastião da sabedoria suprema, decide ir ao encontro de seu povo. A divindade que a tudo responde por meio de Ifá agora se faz caminheiro e pisa a terra para instruir seus filhos no caminho de odara e alafia, que são seu verdadeiro destino. Chama Exu, rei das encruzilhadas e das veredas, das rotas e itinerários, das estradas e dos caminhos, para guiá-lo pelas veias do continente africano, indo ao encontro dos filhos de diversas nações e etnias.
A viagem do espírito mensageiro começa na região do Mali. Lá, ele encontra o povo Kanaga e presencia uma exuberante dança com lindas máscaras feitas de madeira. Maravilhado, Orunmilá então se materializa em uma máscara para conceder o seu dom primordial: o trânsito entre ayê e orun (mundo físico e espiritual). A partir de agora, ele estará por trás de cada máscara, penetrando o espírito de cada indivíduo.”
(Trecho extraído da sinopse da escola)
Guiado por Orunmilá, a primeira máscara retratada será a de duas tribos situadas na região onde hoje fica o Mali: os Banama e os Tyi-Wará. Em seguida, o enredo apresenta os Dogon, na fronteira com Burkina Faso. Depois, o espírito parte para o povoado de Bwa e segue até Serra Leoa, onde conhecemos as poderosas mulheres da tribo Sowie. Na avenida, serão representadas todas as características dessas máscaras, que refletem rituais, espiritualidade e cultura das tribos. Cada uma possui aspectos únicos que definem suas tradições.
Na sequência, a escola apresenta os reinos de Kpelie e Queto, além do reino de Oió, onde hoje se encontra a Nigéria. Este último será amplamente explorado, pois reunia diversas tribos e culturas em um mesmo território.
“Orunmilá parte em direção ao Reino de Oió, atual Nigéria, conhecendo diversos povos iorubás pelo caminho. Quando chegou à comunidade Gueledé, a divindade mensageira se encantou com tamanha força e beleza. Aquela sociedade era composta exclusivamente por mães pretas, as iyás.No meio delas, o espírito mensageiro se traduziu em uma máscara capaz de refletir não somente o respeito e a valorização das mulheres na sociedade, mas também a resiliência das iyás como lição para todos os povos. A máscara representa um rosto feminino com cobras enroladas sobre a cabeça, demonstrando a capacidade de reação diante das adversidades da vida. Ao se aproximar do centro de Oió, Orunmilá encontra o palácio do governo, regido por seu quarto alafin: Xangô. O governante apresenta ao emi caminheiro o culto aos egunguns, espíritos ancestrais. O rito, fundado por Xangô, celebra a vida dos antepassados que construíram aquela sociedade.Orunmilá, então, une-se a Xangô para ensinar o valor da justiça e concede uma máscara para ser usada na celebração dos egunguns, com grandes orelhas, pois considera que a justiça vivida em Oió deve-se ao fato de seu rei aplicar-se a ouvir atentamente o seu povo.”
Dois pontos interessantes do enredo apresentados na sinopse da escola são:
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A busca de Orunmilá por máscaras que representem a libertação de povos oprimidos pelos colonizadores, como os de Angola e da República Democrática do Congo. Aqui, a escola se aprofundará nas guerras civis que assolam esses povos, mostrando, por meio das máscaras, o espírito que busca a libertação e o resgate da cultura ancestral, permitindo que esses povos possam se reerguer.
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Uma reflexão sobre uma África liberta, igualitária e utópica, guiada pela arte de seu povo. O enredo propõe uma África que celebra sua ancestralidade e constrói seu futuro com base em seus saberes e tradições.
“O último ato de Orunmilá nessa viagem está relacionado a um dom fundamental seu: a profecia. O emi ojisé profetiza uma África utópica e artística; uma África que caminha para o futuro celebrando sua ancestralidade; uma África de povos e nações que podem reverenciar odara e alafia.
Que os ensinamentos, os saberes e as profecias de Orunmilá iluminem a jornada de todos os seus filhos e floresçam o destino de todas as nações. Axé!
Bôjúbôjú ní agbára láti múkúrô burú!
(A máscara tem o poder de afastar o mal!)”
(Trecho extraído da sinopse da escola)
Celebrando a África e sua ancestralidade, os Gaviões buscam o quinto título de sua história na elite do carnaval paulistano. A Torcida Que Samba será a quarta agremiação a desfilar no sábado de carnaval, no Sambódromo do Anhembi.
Confira o clipe oficial de 2025 dos Gaviões da Fiel aqui.