Por Lucas Malagone
Dando continuidade à nossa série sobre os enredos de 2025, hoje falaremos de uma das escolas mais tradicionais do nosso carnaval: a escola do povo, Vai-Vai!
Buscando se firmar novamente no Grupo Especial após um período de instabilidade — tendo ficado na oitava colocação no último carnaval —, a escola almeja retornar ao desfile das campeãs com uma homenagem a um dos maiores dramaturgos do país: o criador do Teatro Oficina, Zé Celso! Com o título “O Xamã Devorado y A Deglutição Bacante de Quem Ousou Sonhar Desordem”, o enredo é assinado pelo carnavalesco Sidnei França.
O enredo desenvolvido por Sidnei busca ir além de uma simples homenagem a Zé Celso. Ele pretende contar toda a sua importância política, cultural e social para o país, transmitindo essa história através da arte que ele criou e que inspirou milhares de pessoas. Fundador do Teatro Oficina, uma das companhias de teatro independente mais respeitadas do Brasil, Zé Celso se tornou um símbolo das artes cênicas e da resistência contra a opressão, abrindo espaço para artistas que não tinham onde expressar suas criações.
A trajetória de Zé Celso
José Celso Martinez Corrêa nasceu em 1937, em Araraquara. Estudou Direito na USP, onde descobriu o amor pelo teatro. Em 1958, juntamente com outros participantes, fundou o Grupo Oficina, que, sob a direção de Amir Haddad, encenou suas primeiras peças: Vento Forte para Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959). Nos anos 1960, consolidou-se como um dos grandes diretores do tropicalismo brasileiro, dirigindo peças como Os Pequenos Burgueses, de Máximo Górki (1963), aclamada pela crítica. Em 1967, após a reconstrução do palco devido a um incêndio, dirigiu O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, um marco histórico. No ano seguinte, encenou Roda Viva, com texto de Chico Buarque.
Em 1974, perseguido pela ditadura militar, exilou-se em Portugal, onde criou o grupo Oficina-Samba. Durante esse período, realizou dois documentários: O Parto, sobre a Revolução dos Cravos, e Vinte e Cinco, sobre a independência de Moçambique. Ao retornar ao Brasil, iniciou uma campanha para manter o Teatro Oficina aberto, rebatizando-o como Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona. O espaço foi tombado em 1982 e reinaugurado em 1983. Durante dez anos, Zé Celso trabalhou na reconstrução do teatro, que contou com projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi e foi finalmente inaugurado em 1993. Desde então, dirigiu diversas montagens no novo espaço, como Os Sertões, de Euclides da Cunha, O Banquete, de Platão, e As Bacantes, de Eurípides.
Uma de suas batalhas mais emblemáticas foi contra Silvio Santos, que adquiriu o terreno ao lado do Teatro Oficina para construir um arranha-céu, ameaçando a integridade do espaço. A disputa judicial se arrastou por mais de 43 anos. Em 2018, Zé Celso propôs transformar a área no Parque Bixiga. Após sua morte, o grupo Silvio Santos tentou retomar o terreno, chegando a bloquear a entrada do teatro com tijolos. No entanto, após uma longa batalha, a prefeitura comprou o terreno e integrou o teatro ao projeto do parque, um sonho de Zé Celso que finalmente se concretizou.
Pouco antes de sua morte, Zé Celso casou-se com seu companheiro de mais de 40 anos, Marcelo Drummond, em uma cerimônia realizada no próprio Teatro Oficina. Seu legado, com mais de 40 produções entre atuação, direção e criação, é inestimável para a cultura brasileira.
O Vai-Vai celebra a arte e o legado de Zé Celso
Mais do que homenagear o homem, o Vai-Vai busca celebrar seu legado, sua importância para a cultura brasileira e a difusão de sua obra, levando-a ao maior teatro a céu aberto do mundo: o desfile de escola de samba. A sinopse da escola apresenta o enredo em primeira pessoa, com Zé Celso como a alma viva do desfile, assumindo a figura do xamã das artes da Pauliceia, enquanto o Vai-Vai se torna sua grande representação teatral na avenida.
Trechos da sinopse oficial evocam sua energia e espírito visionário:
“Cintilam fagulhas que de minha essência mundana escapam… Eu sou Exu das artes, bruxo das existências, sábio das mutações… Devora-me, Vai-Vai! Faz deste ‘eu apocalíptico’ teu vinho y teu pão, matando a fome de cultura de um povo que tem em ti o gosto da existência…”
Para transformar a vida e a arte de Zé Celso em uma grande peça teatral na avenida, o desfile do Vai-Vai propõe um mergulho nos processos criativos do dramaturgo, explorando sua mente, seus sonhos e sua luta para preservar um de seus maiores legados: o Teatro Oficina.
A homenagem culmina em um cortejo carnavalesco que ecoa sua trajetória, celebrando sua paixão, irreverência e o espírito libertário que sempre marcou sua arte. O enredo se encerra com um convite à devoção à cultura popular e ao teatro:
“Se a rua é do povo y o teatro é a voz, eu sou o drama feliz y popular! Evoé, Vai-Vai… Saravá!”
Zé Celso e o Vai-Vai se encontram na avenida para uma apoteótica celebração de arte, resistência e paixão. O homem do povo e a escola do povo, unidos na história do Bixiga e de São Paulo. Mesmo em outro plano, Zé Celso estará presente em sua maior obra já realizada: um desfile de escola de samba.