Por Lucas Malagone
Nossa série sobre os enredos de 2025 continua hoje com a Acadêmicos do Tucuruvi, sétima colocada no último Carnaval. A escola aposta, mais uma vez, em um enredo inovador: Assojaba – A Busca pelo Manto!, assinado pelos carnavalescos Dione Leite, Nicolas Gonçalves e pelo pesquisador Vinicius Natal. Desta vez, a Tucuruvi contará a história do manto Tupinambá, um artefato sagrado que, por séculos, esteve em posse de europeus e foi recentemente devolvido ao Brasil. Hoje, encontra-se no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
A proposta do enredo é apresentar a mitologia, a história e a relevância do manto, ao mesmo tempo em que promove uma reflexão sobre os povos originários do Brasil. O enredo também denuncia a exploração desses povos e suas riquezas, principalmente por europeus, além de chamar atenção para a luta indígena, frequentemente esquecida e negligenciada.
O que é o manto Tupinambá?
A própria escola define o manto em sua sinopse:
“O manto é um dos principais símbolos de força e respeito dos mais velhos, dos pajés, majés, morobixabas, caciques e cunhãs nos momentos cerimoniais. Vestir o manto é a certeza de que a humanidade se conecta com os encantados e, assim, a vida caminha para a comunhão com o sagrado natural. Sabedoria trançada pelas mãos de sábias mulheres, o manto é a feminina ancestralidade que vive em cada um de nós.”
Além do modelo utilizado pelas lideranças tribais, um outro tipo de manto Tupinambá era empregado em rituais antropofágicos. Nesses rituais, os indígenas consumiam a carne de inimigos capturados como demonstração de força e para vingar antepassados mortos em batalha. No entanto, a Tucuruvi optou por focar na importância espiritual do manto sagrado recentemente recuperado.
Com cerca de 1,20 metro de altura e 80 centímetros de largura, o manto sagrado é confeccionado a partir de uma malha de algodão, tecida com técnicas ancestrais semelhantes à do jereré, ferramenta de pesca dos anciãos da tribo. Originalmente, as penas do manto eram marrons, mas, por meio da técnica de tapiragem, foram transformadas em um intenso tom de vermelho.
Atualmente, restam apenas 11 mantos Tupinambá no mundo. O manto que inspira o enredo da escola foi devolvido ao Brasil no meio do ano passado pelo Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague. Hoje, ele está sob a guarda do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Reflexão sobre a história e o legado do manto
Mais do que narrar a história do manto, a Tucuruvi propõe uma reflexão sobre o saque de nossas riquezas ao longo dos séculos. Objetos sagrados dos povos originários foram levados para servir de luxo a reis, imperadores e à elite burguesa europeia. Enquanto, para eles, o manto era uma curiosidade exótica, para os povos indígenas, representava a conexão com seus ancestrais. Mesmo depois de perderem o direito sobre tais objetos, os colonizadores mantiveram sua posse sob a justificativa de “preservação da história ancestral” — uma responsabilidade que deveria ser dos próprios povos a quem pertencem esses artefatos. Agora, com o manto de volta ao Brasil, sua história pode ser contada por aqueles que realmente importam.
A sinopse da escola traduz essa ideia com potência:
“Sonhei que o manto já não sorria: era objeto de fetiche, viajando entre reis e rainhas europeus que presenteavam uns aos outros. Para eles, ‘objeto de curiosidade’. Para nós, a vida sagrada. Misto de raiva e saudade, o choro embargou a voz. A reparação seria feita e o manto precisava gritar a sua própria história. Eu vi ibirapema e o pajé começar o ritual de julgamento. Eu vi o devorador sendo devorado. Descoroado. Eu o vi aniquilado. O exotizador, agora, seria exotizado. E, nos 500 anos de um falso descobrimento, a trágica invasão, eu vi o manto visitar sua terra natal anunciando seu retorno definitivo. Páginas em branco de um tempo a ser reescrito. Era hora do manto voltar.”
(Trecho da sinopse oficial da escola)
A história do povo Tupinambá na avenida
O enredo também retratará a vida dos Tupinambás, povo cuja população chegou a quase um milhão de habitantes e que se espalhava do Nordeste ao Sudeste do Brasil. Sua cultura era rica em artesanato, danças e músicas. As aldeias, formadas por até 600 pessoas, eram organizadas em torno de praças centrais, favorecendo o convívio comunitário, rituais e decisões coletivas. As casas eram feitas de pau a pique e cobertas de palha, construídas para garantir ventilação e conforto.
Baseando sua economia na agricultura, pesca e caça, os Tupinambás viveram tranquilamente em suas terras até a chegada dos colonizadores, que os escravizaram e exterminaram.
A esperança de um novo futuro
“Sou eu, Tucuruvi, e sou a continuidade de quem viveu em minha terra. Estou aqui para cantar Assojaba, o manto Tupinambá. Seremos, no Anhembi, a voz de quem sofreu pelas mãos do colonizador, mas que transformou a dor em um motivo para contar outra versão da história. O outro lado. O nosso lado. Nossa busca se dá pelo sonho. Para o manto existir, precisamos re-existir. Resistir.”
(Trecho extraído da sinopse oficial)
Com a devolução do manto, as lideranças remanescentes do povo Tupinambá acreditam que finalmente possam ter paz e esperança na preservação de sua cultura e história. Atualmente, não existem terras demarcadas para esse povo, mas a esperança é que, 400 anos depois, o retorno do manto simbolize um novo capítulo de resistência e renascimento.
Confira o samba enredo da Acadêmicos do Tucuruvi em 2025 aqui.